sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A bolsa e o sonho

Tudo começou por conta de uma bolsa xadrez de flanela. Era linda. Azul e vermelha, grande – muito antes da onda das maxi bolsas pegar as fashionistas (que nome purgante!) e as mortais, como eu. Tinha ainda por cima um laço azul nada óbvio que, claro, eu adorava. Foi com uma colega de trabalho que eu a vi pela primeira vez. E a pergunta que nós, mulheres, mais proferimos durante nossa existência foi o que encurtou meu caminho até ela. “- Onde você comprou?” Pronto, estava dada a largada para que o cosmo mexesse alguns bons pauzinhos.
 
Não havia loja onde eu pudesse comprá-la. Havia uma menina sonhadora que fazia bolsas lindas para quem quisesse usá-las. Sorte de quem a conhecia e podia encomendá-las. Sorte também de quem conhecia alguém que a conhecia e podia ter a encomenda terceirizada – meu caso. A bolsa chegou num embrulho cuidadoso, cheirando à alfazema, envolta em um papel de seda cor de rosa. Junto com ela, uma história que queria se conectar com a minha, de alguma forma.
 
Amanda, esse era o nome da dona das bolsas. Mudou-se do interior de Minas para Belo Horizonte, nesse caminho penoso que é sair do ninho. Formou-se publicitária e sonhava em fazer moda, antes de tudo, delicada. Numa dessas gozações da vida, foi trabalhar no marketing de um shopping. Sobre ela eu sabia apenas essa meia dúzia de histórias. E aquela bolsa simbolizava para mim a força da menina que sonhava em criar coisas bonitas, apesar da dureza de ter que, às vezes, seguir viagem em um trem que parece querer descarrilar a qualquer momento. Era o jeito de não se esquecer de que um dia poderia se trocar de trem, sentar à janela e apreciar a vista.
 
Dali a pouco tempo, eu também sairia em viagem. Talvez por isso estivesse mais sensível a histórias de gente corajosa, numa tentativa de não me sentir só com a minha loucura. A bem da verdade é que sempre tive uma queda por pessoas com ideologia e, normalmente, meus heróis não morrem de overdose. Assim como Amanda, eu precisava proteger meus sonhos, talvez guardá-los na bolsa, e seguir adiante. Abafada até pelas montanhas que insistiam em proteger, eu queria odiar Belo Horizonte para assegurar que a partida fosse menos dolorosa.
 
Não foi. A Paulicéia me sugou feito areia movediça. Senhora vivida que era, ao notar meu estranhamento cada vez mais sofrido, logo se antecipou a me expulsar um pouco, todos os dias, até o fim. Algumas renúncias são atos de coragem também. Voltei, parti em outra viagem mais curta e fiz de novo o caminho da volta. Na bolsa, alguns sonhos, ainda intactos. Nesse meio tempo, Amanda se preparava também para ajustar a rota de sua viagem. Havia chegado a hora de fazer moda, antes de tudo, delicada.
 
Há pouco mais de um ano, nos encontramos, pela primeira vez. Não chegávamos, nem partíamos, apenas revisitávamos nossas raízes, talvez para partir de novo um dia, por que não. Amanda havia se tornado estilista. Criava poemas para serem vestidos. Eu estava experimentando redescobrir a cidade, os amigos, a família, o amor, os hábitos e a vocação. Há poucos dias, num encontro com a menina sonhadora da bolsa xadrez de flanela, me dei conta de que entre a bolsa e o vestido, o pacto de uma nova vida foi cumprido – por ambas. Ali, naquele momento, sentamos à janela e apreciamos a vista, encantadas.
 
 
Renata Gonçalves

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Comunicação: ainda um artigo de luxo?

 
Nos manuais sobre liderança, estratégia e gestão, um dos pontos mais lidos e relidos diz respeito às habilidades interpessoais, que, por sua vez, trata a comunicação, senão como o principal pilar, um dos fundamentais. No âmbito empresarial, parece que finalmente quem se enquadra no que se convencionou como algo do tipo “comunicação é terra de ninguém” está com os dias contados.
 
Vedete da vez, a comunicação extrapolou seu próprio fim, ou seja, tornar algo comum a muitos – do latim “communicatio de communis”. Hoje, ela representa um mundo surpreendente de possibilidades. Se ainda há dúvida, atente-se para o fato de que foram produzidos cinco hexabytes de conteúdo em 2002, a mesma quantidade gerada entre 25.000 a.C. e 2.000 d.C.. Inacreditável, não?
 
Comunicação é tudo? Talvez seja quase. É algo fácil? Longe disso, afinal, pressupõe-se que comunicar constitui-se de forma a ir além da ação da fala. Palavras contextualizadas, tom e velocidade adequados, atenção com quem está recebendo a mensagem, e linguagem corporal convincente sinalizam para uma comunicação bem-sucedida, mas ainda assim pode não ser o suficiente.
 
O cenário corporativo globalizado, que traduz bem as mudanças cada vez mais aceleradas do mundo, tem nos mostrado que a boa comunicação pode ser uma arma infalível para a tecnologia que avança, a interação entre diferentes gerações, os modelos de negócios que se diversificam, e para os muitos tipos de líderes que se proliferam – tudo, claro, veloz demais.

 
Sabe-se que manuais de boas práticas são incapazes de garantir o sucesso de uma comunicação. No entanto, se existe uma ação que possa minimizar as chances de fracasso, essa certamente atende-se pelo nome de planejamento. Pode parecer inacreditável, mas planejar a informação com base no interlocutor da mensagem, com o apelo correto e por meio dos canais adequados ainda não é a prática mais recorrente. Por várias razões, entre as quais, pelo fato de que essa ação demanda tempo e conhecimento, exige processos e responsabilidades bem definidos, e porque necessita do comprometimento da alta gestão.
 
Ainda que seguida a cartilha tal qual mande o figurino, a comunicação, por existir a partir da interação com o outro, continua a nos pregar peças. Aliás, não depende somente da forma como a mensagem foi transmitida, sua compreensão tem de ser vista como fundamental. O que parece óbvio para um interlocutor, para outro pode estar longe de ser.
 
Apesar de mudanças tão profundas na forma de se comunicar, sobretudo em função do surgimento das redes sociais, falar, divulgar, atrair, fidelizar e inspirar, isso continua sendo segredo para muitos. Em grande parte, porque há de se ter coerência, empatia e generosidade, características pessoais desejadas desde o tempo em que iniciamos a compreensão do mundo, por acaso, milhares de anos antes da criação da Internet.
 
 
Renata Gonçalves