Tudo começou por conta de uma bolsa
xadrez de flanela. Era linda. Azul e vermelha, grande – muito antes da onda das
maxi bolsas pegar as fashionistas (que nome purgante!) e as mortais,
como eu. Tinha ainda por cima um laço azul nada óbvio que, claro, eu adorava.
Foi com uma colega de trabalho que eu a vi pela primeira vez. E a pergunta que
nós, mulheres, mais proferimos durante nossa existência foi o que encurtou meu
caminho até ela. “- Onde você comprou?” Pronto, estava dada a largada para que
o cosmo mexesse alguns bons pauzinhos.
Não havia loja onde eu pudesse
comprá-la. Havia uma menina sonhadora que fazia bolsas lindas para quem
quisesse usá-las. Sorte de quem a conhecia e podia encomendá-las. Sorte também
de quem conhecia alguém que a conhecia e podia ter a encomenda terceirizada –
meu caso. A bolsa chegou num embrulho cuidadoso, cheirando à alfazema, envolta em
um papel de seda cor de rosa. Junto com ela, uma história que queria se conectar
com a minha, de alguma forma.
Amanda, esse era o nome da dona
das bolsas. Mudou-se do interior de Minas para Belo Horizonte, nesse caminho
penoso que é sair do ninho. Formou-se publicitária e sonhava em fazer moda,
antes de tudo, delicada. Numa dessas gozações da vida, foi trabalhar no
marketing de um shopping. Sobre ela eu sabia apenas essa meia dúzia de
histórias. E aquela bolsa simbolizava para mim a força da menina que sonhava em
criar coisas bonitas, apesar da dureza de ter que, às vezes, seguir viagem em
um trem que parece querer descarrilar a
qualquer momento. Era o jeito de não se
esquecer de que um dia poderia se trocar de trem, sentar à janela e apreciar a
vista.
Dali a pouco tempo, eu também sairia em viagem. Talvez por isso estivesse
mais sensível a histórias de gente corajosa, numa tentativa de não me sentir só
com a minha loucura. A bem da verdade é que sempre tive uma queda por pessoas
com ideologia e, normalmente, meus heróis não morrem de overdose. Assim como
Amanda, eu precisava proteger meus sonhos, talvez guardá-los na bolsa, e seguir
adiante. Abafada até pelas montanhas que insistiam em proteger, eu
queria odiar Belo Horizonte para assegurar que a partida fosse menos dolorosa.
Não foi. A Paulicéia me sugou feito areia movediça.
Senhora vivida que era, ao notar meu estranhamento cada vez mais sofrido, logo
se antecipou a me expulsar um pouco, todos os dias, até o fim. Algumas
renúncias são atos de coragem também. Voltei, parti em outra viagem mais curta
e fiz de novo o caminho da volta. Na bolsa, alguns sonhos, ainda intactos.
Nesse meio tempo, Amanda se preparava também para ajustar a rota de sua viagem.
Havia chegado a hora de fazer moda, antes de tudo, delicada.
Há pouco mais de um ano, nos
encontramos, pela primeira vez. Não chegávamos, nem partíamos, apenas
revisitávamos nossas raízes, talvez para partir de novo um dia, por que não. Amanda
havia se tornado estilista. Criava poemas para serem vestidos. Eu estava
experimentando redescobrir a cidade, os amigos, a família, o amor, os hábitos e
a vocação. Há poucos dias, num encontro com a menina sonhadora da bolsa xadrez
de flanela, me dei conta de que entre a bolsa e o vestido, o pacto de uma nova
vida foi cumprido – por ambas. Ali, naquele momento, sentamos à janela e
apreciamos a vista, encantadas.
Renata Gonçalves