Belo Horizonte, 12 de março de 2013.
Querida Vó Zeli,
De onde estiver, a senhora deve
saber que nunca estive tão bem, não é? Estou chegando aos trinta com uma
gratidão que não cabe em mim. No geral, me sinto orgulhosa do que plantei até
agora. O melhor dessa idade, Vó, talvez seja o fato de já conseguir colher e estar
atento ao sentido mais profundo das coisas. A ansiedade incontida dos vinte e
poucos se mostra arrefecida. Sinto-me mais forte e dez milhões de vezes mais
seletiva. É bom e ruim, depende da medida, claro. Desperdiço menos, sob todos
os pontos de vista, mas arrisco menos também. Ainda não pulei do maior bungee jump do mundo e para você
eu confesso, pela primeira vez, que agora passei a ter medo disso.
Dias atrás, li em algum canto que "o
segredo de uma vida plena é se reinventar". Vó, isso é bonito, mas muito
doloroso. Nos últimos cinco anos, me reinventei tanto e me cansei tanto também
que, de presente pelos trinta, peço sossego. Quer dizer, mais sossego. Fernando
Sabino disse a Mário de Andrade, certa vez, que o que há de mais melancólico em
tudo é a gente saber que a mocidade vai acabar. Embora seja triste, não me
espanta. Muito do que fui já não sei se ainda sou. Talvez, não. E talvez seja
natural que eu não seja. Nessa loucura toda de se reinventar, me pergunto se
mudei muito ou se, inconscientemente, estou me reaproximando da minha essência.
Sartre dizia que mudava para continuar o mesmo. Loucura mesmo é mergulhar
naquilo que Nietzsche pregou como o eterno retorno. Um dia tudo vai se repetir
tal como foi vivido?
Acho que diferentemente de Harry, de
"O lobo da estepe", livro que de algum modo subverteu minha estrutura psíquica,
fui levada a estar contente comigo mesma e com minha própria vida, dentro da
qual permiti (ou permitiram) que o homem e o lobo andassem juntos. Vó, apesar
do pai defender que todas as cartas estejam marcadas, ainda acredito que eu esteja
inventando meu caminho. Para mim, crer nisso diariamente significa minha pílula
de redenção. Tive de ajustar muitas rotas, você sabe, e sonhar outros sonhos,
mas permaneço disposta a viver por eles.
Nunca estive tão próxima dos meus
amigos. Aos trinta, com mais recordações em comum, os encontros são mais
fraternos e divertidos, mesmo que a ligação com alguns seja mais forte pelo
passado do que o presente. Vó, acho que hoje tenho menos convicções e,
tristemente, bem menos esperança na humanidade. Tenho medo de trazer filhos ao
mundo, apesar de estar convicta de que não me perdoaria por não trazê-los. Reconciliada
comigo mesma, encontrei um homem, com o qual – por entre luzes e sombras – vivo
o que sempre necessitei em matéria de amor. Descobrir o outro para
descobrir-se, esta é a travessia.
Aos trinta, Vó, fuço menos as
gavetas dos outros. Aos poucos, muitas das minhas vão deixando de ser lugares intocáveis.
Algumas, já sem trancas, permitiram encerrar e dar início a outras histórias.
Algumas continuam sob sete chaves, mas não as trato como lugares piedosos, onde
os incômodos estarão a salvo. Ao contrário, meu desejo, quando estiver pronta,
é dissecar um a um, os expondo de forma honesta na praça pública do meu (in)consciente.
Por tudo isso, tenho sido uma ótima companhia a mim mesma, com direito a
discursos, a champagnes, a
mimos e a uma dose muito madura de generosidade, sobretudo, com o que ainda não
consigo ser.
Vó, obrigada por mim, obrigada por
nós, obrigada pelo amor vivido em sua plenitude.
De sua neta Renata, com profunda
gratidão.
Renata Gonçalves