quinta-feira, 28 de março de 2013

Curva(se)


 
 
É noite no dia.
A escuridão estende-se e lá fora cheira à flor de medo
- aflitos, pungentes, trágicos
Todos.

Como fugir ao mínimo objeto e aos passos e a dor no escuro
- indiferentes.
O embrulho é tão frio.
Sonhos de muletas.
Tempo de espera, maus poemas, crimes suaves.
Desejos que se refugiam e desaparecem na curva do tempo.

Em vão
- tudo.

O sentido quer apenas explodir.

É só o abismo de cada dia – vivo, pequenino, calado.

Abrace as coisas sem reduzi-las.
É hora de compaixão.
 
 
Renata Gonçalves




terça-feira, 12 de março de 2013

Aos trinta, com amor


Belo Horizonte, 12 de março de 2013.


 
 


Querida Vó Zeli,


De onde estiver, a senhora deve saber que nunca estive tão bem, não é? Estou chegando aos trinta com uma gratidão que não cabe em mim. No geral, me sinto orgulhosa do que plantei até agora. O melhor dessa idade, Vó, talvez seja o fato de já conseguir colher e estar atento ao sentido mais profundo das coisas. A ansiedade incontida dos vinte e poucos se mostra arrefecida. Sinto-me mais forte e dez milhões de vezes mais seletiva. É bom e ruim, depende da medida, claro. Desperdiço menos, sob todos os pontos de vista, mas arrisco menos também. Ainda não pulei do maior bungee jump do mundo e para você eu confesso, pela primeira vez, que agora passei a ter medo disso.

Dias atrás, li em algum canto que "o segredo de uma vida plena é se reinventar". Vó, isso é bonito, mas muito doloroso. Nos últimos cinco anos, me reinventei tanto e me cansei tanto também que, de presente pelos trinta, peço sossego. Quer dizer, mais sossego. Fernando Sabino disse a Mário de Andrade, certa vez, que o que há de mais melancólico em tudo é a gente saber que a mocidade vai acabar. Embora seja triste, não me espanta. Muito do que fui já não sei se ainda sou. Talvez, não. E talvez seja natural que eu não seja. Nessa loucura toda de se reinventar, me pergunto se mudei muito ou se, inconscientemente, estou me reaproximando da minha essência. Sartre dizia que mudava para continuar o mesmo. Loucura mesmo é mergulhar naquilo que Nietzsche pregou como o eterno retorno. Um dia tudo vai se repetir tal como foi vivido?

Acho que diferentemente de Harry, de "O lobo da estepe", livro que de algum modo subverteu minha estrutura psíquica, fui levada a estar contente comigo mesma e com minha própria vida, dentro da qual permiti (ou permitiram) que o homem e o lobo andassem juntos. Vó, apesar do pai defender que todas as cartas estejam marcadas, ainda acredito que eu esteja inventando meu caminho. Para mim, crer nisso diariamente significa minha pílula de redenção. Tive de ajustar muitas rotas, você sabe, e sonhar outros sonhos, mas permaneço disposta a viver por eles.

Nunca estive tão próxima dos meus amigos. Aos trinta, com mais recordações em comum, os encontros são mais fraternos e divertidos, mesmo que a ligação com alguns seja mais forte pelo passado do que o presente. Vó, acho que hoje tenho menos convicções e, tristemente, bem menos esperança na humanidade. Tenho medo de trazer filhos ao mundo, apesar de estar convicta de que não me perdoaria por não trazê-los. Reconciliada comigo mesma, encontrei um homem, com o qual – por entre luzes e sombras – vivo o que sempre necessitei em matéria de amor. Descobrir o outro para descobrir-se, esta é a travessia.

Aos trinta, Vó, fuço menos as gavetas dos outros. Aos poucos, muitas das minhas vão deixando de ser lugares intocáveis. Algumas, já sem trancas, permitiram encerrar e dar início a outras histórias. Algumas continuam sob sete chaves, mas não as trato como lugares piedosos, onde os incômodos estarão a salvo. Ao contrário, meu desejo, quando estiver pronta, é dissecar um a um, os expondo de forma honesta na praça pública do meu (in)consciente. Por tudo isso, tenho sido uma ótima companhia a mim mesma, com direito a discursos, a champagnes, a mimos e a uma dose muito madura de generosidade, sobretudo, com o que ainda não consigo ser.

Vó, obrigada por mim, obrigada por nós, obrigada pelo amor vivido em sua plenitude.

 
De sua neta Renata, com profunda gratidão.
 
 
 
Renata Gonçalves