Quando criança fiquei encantada com
uma árvore de natal que eu avistava do alto da escada da lateral de casa.
Dentro da minha história, ela era gigante, imperecível, abarrotada de luzes e,
numa realidade totalmente inventada, estava há léguas de distância de onde eu a
via – o que, aos olhos infantis, a tornava muito mais interessante. De tão
mágica, chegava a duvidar se era real. Não muitos anos mais tarde, meu pai me
levou até ela e tamanha foi minha decepção ao descobri-la fascinante apenas na
minha imaginação. Por sorte, a magia já havia se instaurado e norteado a minha
lembrança.
Com Papai Noel minha relação nunca foi
das melhores, embora eu gostasse muito do mistério que protegia sua existência
e suas chegadas pelas chaminés, ainda que também inventadas. O bom velhinho –
há controvérsias! – passava em casa justo nos primeiros minutos do meu sono. Um
pouco antes da meia-noite, quase sempre. No dia seguinte, como se não fosse a
coisa mais cruel do mundo, vinha a famigerada notícia: “- Papai Noel passou
aqui logo depois que você foi dormir!”. Só não perdia mais tempo tentando
compreender a malvadeza do Noel por um só motivo: sim, precisava abrir meus
presentes.
Se a Árvore de Natal, que na realidade
não era a dos sonhos, e Papai Noel, que nunca quis me encarar pra valer, me
apresentaram o gosto amargo da frustração, todo o resto vinha embrulhado em
papel brilhante, fitas vermelhas, e esperança, muita esperança. Junto dela uma
civilidade que facilitava os sorrisos nos rostos mais improváveis, os pedidos
de desculpas entalados na garganta e no orgulho, os abraços até então contidos,
os encontros não vividos, e os agradecimentos, coadjuvantes, muitas das vezes.
Hoje, adulta, tenho a sensação de que
no fim do ano nos possibilitamos algumas tréguas e, de forma a amenizar o que
não deu tão certo nos outros meses, experimentamos alguma dose de condescendência. De algum
Natal de muitos anos atrás vem a cena que me faz pensar assim. De um lado meu
avô materno, que era um homem de pouquíssimas palavras e raríssimos sorrisos, do
outro eu apertando o play da minha boneca que, no papel de mãe, embalava sua
filha em um berço, com direito a trilha de ninar. Não haverá nada que apague da
memória a gargalhada vigorosa daquele avô, tantas vezes bronco, enternecido
pela boneca progenitora e pela neta que o lembrava, sem perceber, que era tempo
de se permitir.
Por outro lado, o fim do ano revela o
que não demos conta no restante dele ou dos anteriores. Funciona mais ou menos
como uma vassoura que encosta na ponta do tapete, o levanta e nos obriga a conferir
o que ainda não foi varrido para fora dele. A boa notícia é que, atormentados
ou não pela poeira que não limpamos, seremos lançados a 365 novas folhas de
calendário, que podem representar um número consolador de oportunidades.
Carregados de promessas e empenho, os
últimos dias do ano nos colocam em contato, de forma intensiva, com o princípio
da nossa dualidade; o Yin Yang na
filosofia chinesa. Luz e sombra,
frustração e conquista, apatia e superação, amor e egoísmo, renúncia e doação. Um
tempo para nos redimirmos, sobretudo, com nós mesmos e criarmos novos sentidos
para perdermos logo adiante – e a vida não é isso?
É no reconhecimento da nossa imperfeição que produzimos o melhor que podemos ser. Inventar uma nova vida a cada final de ano continua sendo o nosso maior grito de esperança.
É no reconhecimento da nossa imperfeição que produzimos o melhor que podemos ser. Inventar uma nova vida a cada final de ano continua sendo o nosso maior grito de esperança.
Feliz nova vida. Feliz 2013.
Renata Gonçalves