O que se vê até agora é principalmente
uma avalanche de comentários, quase sempre bem-humorados, sobre o fim do mundo.
Muito provavelmente, não há quem não tenha escutado, nas últimas semanas,
alguma frase que não tenha terminado com a advertência “antes que o mundo acabe”.
Desde tomar um açaí na esquina, antes que o mundo acabe, até fazer as pazes com
alguém, antes que o mundo acabe, o tal desfecho, de algum modo, nos alerta para
a urgência da vida. Apesar de para muitos a profecia do calendário maia não
passar de mais um ótimo pretexto para reunir os amigos ao redor de uma mesa de bar, eu
repito, e se o mundo realmente acabasse depois de amanhã?
Antes do possível retorno do
campo magnético da Terra, da alteração no eixo de rotação do planeta e da tempestade
solar, você se pôs a pensar no caminho percorrido até aqui? Se sim, e sem
pretensões filosóficas, tampouco religiosas, a resposta angustia ou alivia,
aprisiona ou liberta? Apesar do tempo escasso, do trânsito caótico, das notas
vermelhas do filho na escola, dos shoppings entupidos e das segundas-feiras, a
hipótese do fim do mundo não valeria uma reflexão?
O fim, ou a possibilidade dele,
nos coloca diante de algo que faz suar frio: o limite da nossa existência. Em
outro contexto, Bronnie Ware, uma enfermeira australiana especialista em doentes
terminais, escreveu um livro sobre os cinco arrependimentos mais comuns das
pessoas antes de morrer, como o próprio título “The Top Five Regrets of the
Dying – A Life Transformed by the Dearly Departing” explica.
Segundo Bronnie em entrevista à
BBC, a falta de coragem para fazer o que verdadeiramente era desejado, ao invés
do que as pessoas esperavam que fosse feito, é o que encabeça a lista. O
segundo colocado desse lamentável ranking representa um dos grandes vilões dos
tempos atuais. Como lembra a música “Epitáfio”, dos Titãs, se pudessem voltar
no tempo, os entrevistados teriam trabalhado menos. Em seguida, em terceiro e
quarto lugares, respectivamente, queriam ter dito o que realmente sentiam, além
de retomado o contato com os amigos. Por último, e tão aterrorizante quanto
deve ser o fim do mundo, está a conclusão que completa a lista: queriam ter
sido mais felizes.
Talvez essa lista possa funcionar
como um pontapé para uma avaliação, que com seu consentimento pode vir a ser muito mais
profunda e particular. Altruístas, materialistas ou espiritualistas – estamos
todos (parece que sim, não é?) ligados pelo desejo comum de ser feliz. E, se
parece tão óbvio, por que, então, em muitos casos, decretamos a felicidade somente
para depois do nascimento do filho, do curso concluído na faculdade, da perda
de peso, da mudança de emprego, da saúde restabelecida da mãe, da viagem para
fora do país, do reconhecimento do chefe, da plástica para aparentar mais jovem, do
divórcio, do encontro com o príncipe encantado...
Para o filósofo grego
Aristóteles, todo homem teria uma finalidade, e esta estaria no próprio ato de
buscá-la. Guimarães Rosa, de maneira brilhante, nos disse que “o real não está
na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Compreendendo
isso, por que ainda pode ser tão doloroso aceitar e vivenciar a felicidade como
parte de um processo contínuo, em vez de um acontecimento isolado – com data e
hora para ser celebrada?
Bem menos inverossímil do que o fim do mundo é o nosso
próprio fim. Dele nós sabemos irremediavelmente. Mais uma vez, recebemos dessa
possibilidade, ainda que tão remota, o convite para a transformação. Afinal de
contas, o que deve ser mais apocalíptico senão a infelicidade?
Renata Gonçalves
Rê,
ResponderExcluirAmei o seu texto! Quanta leveza, suavidade e ao mesmo tempo uma avalanche de questionamentos, reflexões. Continue nos brindando com suas brilhantes produções.
Beijos, Mônica Salomão!
Mônica, amiga querida, fiquei muito feliz com as suas palavras. Sempre admirei sua lucidez. Saudades! Beijos.
ExcluirNum vídeo interno, produzido pela empresa, me perguntaram o que era o fim do mundo pra mim... E eu, sem saber o que responder, e tentando inventar alguma coisa legal, sem sucesso, adiei para depois do fim de semana (e não do fim do mundo). E no domingo a tarde, num papo com amigos em casa, descobri o que diria na segunda-feira: O fim do mundo pra mim é a oportunidade para repensar sua postura perante a vida, e tomar atitudes para recomeçar muito melhor....
ResponderExcluirE porque não nos permitimos a felicidade no durante? Engraçado isso, né? Mas fomos acostumados a historinhas que sempre trataram de vidas sofridas e tristes, e a felicidade só aparecia no final. Acho que é isso... Felicidade inconscientemente está ligada ao fim!
Beijos Rê! Você arrasa sempre!
Fê, nossos pensamentos também estão conectados! :) Obrigada. Beijos.
ExcluirVim através da reflexão proposta pela Silvia. Excelente seu texto!Você é muito talentosa.
ResponderExcluirParabéns por receber indicação de blogueira formadora de opinião como ela!
bj Sandra
http://projetandopessoas.blogspot.com.br//
Sandra, que bom que gostou. Obrigada pelas palavras. Me senti bastante prestigiada pela Silvia, que é muito elegante - sob todos os pontos de vista. Beijo.
ExcluirExcelente texto... um raciocínio coerente você compôs.
ResponderExcluirBeiju!
Júlia Reis do sim, 27! | http://simvintesete.blogspot.com.br/
Seja bem vinda a blogosfera ;D
Oi, Júlia, muito obrigada pela visita. Espero que você goste dos próximos textos! :) Beijo.
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