quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

E se o mundo realmente acabasse depois de amanhã?



O que se vê até agora é principalmente uma avalanche de comentários, quase sempre bem-humorados, sobre o fim do mundo. Muito provavelmente, não há quem não tenha escutado, nas últimas semanas, alguma frase que não tenha terminado com a advertência “antes que o mundo acabe”. Desde tomar um açaí na esquina, antes que o mundo acabe, até fazer as pazes com alguém, antes que o mundo acabe, o tal desfecho, de algum modo, nos alerta para a urgência da vida. Apesar de para muitos a profecia do calendário maia não passar de mais um ótimo pretexto para reunir os amigos ao redor de uma mesa de bar, eu repito, e se o mundo realmente acabasse depois de amanhã?
Antes do possível retorno do campo magnético da Terra, da alteração no eixo de rotação do planeta e da tempestade solar, você se pôs a pensar no caminho percorrido até aqui? Se sim, e sem pretensões filosóficas, tampouco religiosas, a resposta angustia ou alivia, aprisiona ou liberta? Apesar do tempo escasso, do trânsito caótico, das notas vermelhas do filho na escola, dos shoppings entupidos e das segundas-feiras, a hipótese do fim do mundo não valeria uma reflexão?
O fim, ou a possibilidade dele, nos coloca diante de algo que faz suar frio: o limite da nossa existência. Em outro contexto, Bronnie Ware, uma enfermeira australiana especialista em doentes terminais, escreveu um livro sobre os cinco arrependimentos mais comuns das pessoas antes de morrer, como o próprio título “The Top Five Regrets of the Dying – A Life Transformed by the Dearly Departing” explica.
 
 
Segundo Bronnie em entrevista à BBC, a falta de coragem para fazer o que verdadeiramente era desejado, ao invés do que as pessoas esperavam que fosse feito, é o que encabeça a lista. O segundo colocado desse lamentável ranking representa um dos grandes vilões dos tempos atuais. Como lembra a música “Epitáfio”, dos Titãs, se pudessem voltar no tempo, os entrevistados teriam trabalhado menos. Em seguida, em terceiro e quarto lugares, respectivamente, queriam ter dito o que realmente sentiam, além de retomado o contato com os amigos. Por último, e tão aterrorizante quanto deve ser o fim do mundo, está a conclusão que completa a lista: queriam ter sido mais felizes.
 
Talvez essa lista possa funcionar como um pontapé para uma avaliação, que com seu consentimento pode vir a ser muito mais profunda e particular. Altruístas, materialistas ou espiritualistas – estamos todos (parece que sim, não é?) ligados pelo desejo comum de ser feliz. E, se parece tão óbvio, por que, então, em muitos casos, decretamos a felicidade somente para depois do nascimento do filho, do curso concluído na faculdade, da perda de peso, da mudança de emprego, da saúde restabelecida da mãe, da viagem para fora do país, do reconhecimento do chefe, da plástica para aparentar mais jovem, do divórcio, do encontro com o príncipe encantado...
 
Para o filósofo grego Aristóteles, todo homem teria uma finalidade, e esta estaria no próprio ato de buscá-la. Guimarães Rosa, de maneira brilhante, nos disse que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Compreendendo isso, por que ainda pode ser tão doloroso aceitar e vivenciar a felicidade como parte de um processo contínuo, em vez de um acontecimento isolado – com data e hora para ser celebrada?
 
Bem menos inverossímil do que o fim do mundo é o nosso próprio fim. Dele nós sabemos irremediavelmente. Mais uma vez, recebemos dessa possibilidade, ainda que tão remota, o convite para a transformação. Afinal de contas, o que deve ser mais apocalíptico senão a infelicidade?


Renata Gonçalves

8 comentários:

  1. Rê,
    Amei o seu texto! Quanta leveza, suavidade e ao mesmo tempo uma avalanche de questionamentos, reflexões. Continue nos brindando com suas brilhantes produções.
    Beijos, Mônica Salomão!

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    1. Mônica, amiga querida, fiquei muito feliz com as suas palavras. Sempre admirei sua lucidez. Saudades! Beijos.

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  2. Num vídeo interno, produzido pela empresa, me perguntaram o que era o fim do mundo pra mim... E eu, sem saber o que responder, e tentando inventar alguma coisa legal, sem sucesso, adiei para depois do fim de semana (e não do fim do mundo). E no domingo a tarde, num papo com amigos em casa, descobri o que diria na segunda-feira: O fim do mundo pra mim é a oportunidade para repensar sua postura perante a vida, e tomar atitudes para recomeçar muito melhor....
    E porque não nos permitimos a felicidade no durante? Engraçado isso, né? Mas fomos acostumados a historinhas que sempre trataram de vidas sofridas e tristes, e a felicidade só aparecia no final. Acho que é isso... Felicidade inconscientemente está ligada ao fim!
    Beijos Rê! Você arrasa sempre!

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    1. Fê, nossos pensamentos também estão conectados! :) Obrigada. Beijos.

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  3. Vim através da reflexão proposta pela Silvia. Excelente seu texto!Você é muito talentosa.
    Parabéns por receber indicação de blogueira formadora de opinião como ela!
    bj Sandra
    http://projetandopessoas.blogspot.com.br//

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    1. Sandra, que bom que gostou. Obrigada pelas palavras. Me senti bastante prestigiada pela Silvia, que é muito elegante - sob todos os pontos de vista. Beijo.

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  4. Excelente texto... um raciocínio coerente você compôs.
    Beiju!

    Júlia Reis do sim, 27! | http://simvintesete.blogspot.com.br/

    Seja bem vinda a blogosfera ;D

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  5. Oi, Júlia, muito obrigada pela visita. Espero que você goste dos próximos textos! :) Beijo.

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